Em um dos recantos mais esquecidos pela história, crimes de violência brutal contra comunidades indígenas e ribeirinhas ressurgem na memória coletiva, ressuscitados pelos que sobreviveram. Um nome que se destaca entre essas vozes é o de Antônio Monteiro, que aos 72 anos carrega o peso das lembranças do Massacre do Rio Abacaxis, um dos episódios mais recentes de violencia extrema, ocorrido em agosto de 2020 no Amazonas.
Contexto de Brutalidade e Impunidade
A ofensiva, iniciada como uma operação da Polícia Militar, transformou-se em terror para a população local. Nos dias 3 e 4 de agosto, a comunidade foi invadida por policiais, resultando na morte de oito pessoas e no desaparecimento de outras três. A tragédia no Rio Abacaxis seria uma retaliação após um incidente envolvendo Saulo Rezende Costa, então secretário executivo do governo do Amazonas, que foi baleado ao entrar numa área proibida para pesca esportiva. Em 2023, foram indiciados 13 agentes, entre eles altos representantes da segurança pública do Amazonas, demonstrando um raro avanço judicial — embora tardio e parcial — na busca por justiça.
Casos como o do Rio Abacaxis muitas vezes ficam relegados ao esquecimento, marginalizados pela impunidade e pela omissão da justiça. “Esquecemos porque há impunidade, ausência de justiça e um silenciamento sistemático”, afirma Priscila de Oliveira, da ONG Survival International, explicando a falta de espaço que estas violências têm ocupado na história oficial do Brasil.
História de Violência e Resistência
Desde a colonização portuguesa no século 16, que legitimou a violência contra os povos originários sob o pretexto de “guerras justas”, as histórias dos povos indígenas e ribeirinhos têm sido manchadas pela destruição e pela apropriação de suas terras e recursos naturais. A colonização dizimou populações nativas que, à época, somavam entre 2 a 4 milhões de indivíduos pertencentes a mil etnias distintas. Hoje, apenas 0,83% da população brasileira é indígena, espalhados entre 260 etnias, um testemunho silencioso mas contundente da brutal redução.
A luta pelo reconhecimento e pela demarcação de suas terras raramente encontra um desfecho satisfatório. Crimes como os cometidos contra os povos ticuna, juma, yanomami e guarani kaiowá, cada um com suas particularidades mortais, mostram não apenas a violência física, mas também a tentativa de apagamento de culturas inteiras.
Exemplos de Resiliência
Uma série de massacres históricos contra esses povos marcam a trajetória de resistência e sobrevivência, como o massacre dos juma em 1964 durante a ditadura militar, onde seringalistas exterminaram brutalmente mais de 60 indígenas. A ofensiva foi classificada como “investigada” apenas em 1979, com a terra indígena juma sendo homologada várias décadas depois, já no decorrer deste século.
Outro caso mais recente, ocorrido em 1988, na comunidade de Capacete (AM), viu homens armados invadirem uma pacífica reunião do povo ticuna, deixando 14 mortos. Este episódio inicialmente foi tratado como homicídio, até que pressões do Ministério Público Federal conseguiram sua reclassificação como genocídio, embora com desfechos judiciais que muitas vezes frustram.
Mesmo nos anos 1990, os ataques não cessaram, como visto no massacre de Haximu contra os yanomami, que continua a ser lembrado como um dos únicos julgados como genocídio na história brasileira. A população guarani kaiowá, que continua a enfrentar a destruição de suas terras tradicionais para expansão agropecuária, sofreu com a violência do massacre de Caarapó em 2016, onde um indígena foi morto e seis ficaram feridos.
Conclusão
Os massacres esquecidos contra os povos indígenas e ribeirinhos no Brasil são cicatrizes num país cuja história oficial muitas vezes falha em reconhecer suas feridas mais profundas e persistentes. O reconhecimento e responsabilização por esses crimes são passos fundamentais não apenas para a justiça, mas para a preservação da identidade e da história de um povo cuja luta pela sobrevivência ecoa através das gerações. O esquecimento é uma continuação da violência, e somente com o resgate de sua história, nós, como sociedade, podemos enxergar a realidade completa e urgente desses brasileiros que clamam por respeito e paz.